sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Materialismo histórico, C. Lewis, e uma possivel aula

Se um dia tiver seres desafortunados que serão meus alunos e pupilos, pensei em utilizar, um argumento que eu extraí do livro "A Lógica dos Verdadeiros Argumentos" de Alec Fisher. Este livro, ou "Livro Verde" como eu gosto de chamar, me ensinou um pouco que eu sei de lógica básica, e filosofia da ciência...Eu ainda estudo formas e possibilidades de utilizar essa fonte em sala de aula, já que ele trabalha como uma série de argumentos, que vão desde do argumento Malthusiano, argumentos sobre a Guerra Fria, até argumentos mais complexos. Ele é um compilado de argumentos e meio que força você a estudar melhor os textos e as preposições. 


No final deste livro, tem um argumento que eu li, e admito, que me causou um certo desafio...Em verdade, fiquei um bom tempo refletindo sobre ele...É um argumento utilizado por C.S Lewis, em sua obra "Milagres". É um argumento contra a impossibilidade do universo ser regido por causas e razões irracionais e aleatórias, isto é, um argumento contra o naturalismo:





"Algumas pessoas acreditam que nada existe além da natureza: a esses eu chamo de naturalistas. Outros acreditam que, além da natureza, há também algo mais: a esses eu chamo de supernaturalistas.
[...] Podemos decretar, como regra, que nenhum pensamento é válido se puder ser explicado totalmente como resultado de causas irracionais. [...] Basta suspeitar de uma causa irracional para começar a prestar menos atenção ás convicções de um homem. [...] Quando descobrimos ser falsa uma determinada convicção, procuramos causas irracionais ("Eu estava cansado" - "Eu estava com presa" - "Eu queria acreditar"). [...] Todos os pensamentos provocados dessa forma não possuem valor. Nunca, no âmbito normal do pensamento, admitimos exceções a essa regra. 
Sendo assim, seria um absurdo aplicar essa regra a cada um dos pensamentos individuais que chegam até nós e não aplicá-la para todos os pensamentos coletivamente, ou seja,  para a razão humana como um todo. Cada pensamento individual possui valor nulo se for resultado de causas irracionais. Então, obviamente, todo o processo do pensamento humano, aquilo a que damos o nome de razão, terá um valor igualmente nulo se for o resultado destas causas. Portanto, são inadmissíveis todas as teorias a respeito do universo que vêem na mente humana um produto de causas irracionais, porque isso seria uma prova de que não há provas. O que não faria sentido. 
Mas o naturalismo, na sua interpretação usual, é precisamente uma teoria deste tipo. A mente, como todas as coisas ou eventos em particular, nada mais é, supostamente, senão o produto do Sistema Total. É supostamente isso e nada mais, e não tem supostamente o poder de "funcionar segundo si próprio". E não se supõe que o Sistema Total seja Racional. Todos os pensamentos, independentemente de quais sejam, são portanto, produto de causas irracionais, e nada mais do que isso" (FISHER, p. 296-297). 

Quando eu li esse argumento, em algum lugar em 2012 e 2013, no período pré-universidade, ele me fez quebrar a cabeça. Um argumento persuasivo, devo dizer...Ele diz algo a mais do que, simplesmente, "pensamentos e discursos baseados em causas irracionais não fazem sentindo e que, por direito, são desacreditados e ninguém os leva a sério". Está em jogo, neste argumento, a própria defesa de uma ordem racional sobre o universo. Oras, se preposições irracionais ou baseadas em causas irracionais não fazem o menor sentido, como deveria nós, acreditar, que o universo é regulado por estas causas irracionais? 

Fiquei um bom tempo pensando nesta questão...Se não me engano, devo ter ficado até uma hora apenas refletindo sobre esse argumento...Até que eu tive um "insight": "É verdade, que para a lógica humana, afirmações irracionais ou baseadas em causas irracionais não fazem o menor sentido...Mas e a natureza? Ela é regida pelas leis da lógica que nós mesmos criamos, ou ela está indiferente a elas?". 
A questão que eu coloquei, em outras palavras, se resume a isso: "Na lógica humana, este sistema de significação que nós criamos para compreender o mundo e dar sentindo á nossa experiência neste mundo, coisas irracionais não fazem sentido mesmo...Mas e para a natureza? A natureza está pouco se fodendo se isso ou aquilo são racionais para nós, seres humanos, e para nossos sistemas de significação (lógica e a matemática). Seus fenômenos não são conscientes e a matemática e a física, por exemplo, servem apenas para interpretar estes fenômenos, mas não os governa. Do contrário, a matemática e a física seriam entidades essenciais, e não uma ferramenta que o homem desenvolveu afim de interpretar o mundo a sua volta".

Essencialismo x Materialismo

Depois de meu insight, ficou claro que para a conclusão de Lewis ser corroborada dependerá do ponto de vista daquele que está interpretando este argumento. Para que o argumento seja válido, é preciso admitir que a lógica humana é uma coisa em si, e portanto, não é causada pelo homem, mas existe independente de sua existência e que ainda governa todo o universo e todas as coisas. Estou persuadido, no entanto, a considerar o contrário...Não é o homem que é criado pelos sistemas de significação ou pelas idéias, ou pela lógica...É o homem que cria as idéias, a metafisica, a linguagem, a lógica...Marx aborda isso muito bem em "A Ideologia Alemã". 
Para Marx, chega um momento no desenvolvimento das sociedades, quando chega a um nível de complexidade tão grande em sua estrutura sócio-econômica, que é possível para esta sociedade ou uma parte dela, fazer abstrações totalmente desvinculadas da realidade, a ponto de admitir que a "consciência" e os próprios inventos do homem são maiores que ele mesmo e que ele é governado por estas "fantasmagorias metafisicas". É em Marx, que eu encontro a definição mais eloquente do que chamamos de materialismo, ou na sua forma mais refinada, o materialismo histórico:

"A produção de idéias, das representações, e da consciência está, a principio, diretamente e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens. [...] São os homens que produzem suas representações, suas ideias, mas os homens reais, atuantes, tais como são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e das relações que a eles correspondem [...]. A consciência nunca pode ser mais do que o consciente, e o ser dos homens é o seu processo da vida real. [...] Ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu para ir para a terra, aqui é a terra que sobe para o céu. Em outras palavras, não partimos do que os homens dizem, imaginam ou representam, tampouco do que eles são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação dos outros, para depois chegar aos homens de carne e osso; mas partimos dos homens em sua atividade real, é a partir de seu processo de vida real que representamos também o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas desse processo vital"  (MARX; ENGELS, 1989, p.20-21).

O que é importante sabermos é que foi vigente, por muito, esse pressuposto que eram as idéias que causam o homem e são anteriores a ele...Isso pode até ser verdade, se ele se persuadir sobre isso...Mas, segundo o materialismo, a metafisica e as idéias não são coisas que existem por si só...Para elas existirem, é necessário haver seres humanos que produzam essas representações, que acabam sendo reflexos de si mesmos. O importante aqui, não seria ensinar ou falar de Marx nas escolas em prol de uma pretensa doutrinação marxista do MEC, mas sim, para compreender como se opera essa grande ruptura epistemológica que ele proporcionou, de inverter totalmente a ordem estabelecida: ao invés de pensar que são as idéias como coisas em si; Marx pensa que as idéias são determinadas pelo homem, assim como todas as suas abstrações e toda metafisica é determinada pelos homens que a produzem...


Voltando para Lewis, estou inclinado que seu argumento é um tanto arrogante, ao pensar que as coisas que tem validade para nós, seres humanos, tenham que ter validade para todo o universo, e que é preciso existir essa ordem racional governando tudo. Que tudo tenha que ter uma razão de ser...Mas não é verdade que os cientistas defendam que o que rege o universo são leis observáveis? Não existiria aí uma espécie de "Essencialismo Cientifico"? Se isso for verdade, temos aí mais um problema que, por ora, não irei me aprofundar por não ter muito conhecimento sobre filosofia da ciência. 

Ao meditar sobre o argumento de Lewis, eu não penso nisso como um argumento de um cristão retardado, que "ainda acredita no primado das idéias sobre o homem". Eu creio, que seja na verdade, um problema em aberto...Creio que ele possa despertar muitas discussões: discussões ainda muito atuais, já que o paradigma evolucionista, que fala sobre causas aleatórias e irracionais, é muito forte nos dias de hoje. Creio que Lewis pode ser outro meio de discutir os conflitos epistemológicos tão rigidos, como o conflito entre o materialismo e essencialismo.

Referências Bibliográficas:

FISCHER, Alec. A Lógica dos Verdadeiros Argumentos. São Paulo: Novo Conceito, 2008.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

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