sexta-feira, 23 de março de 2012

O mundo aos pés do padre

"O que aconteceu nesses ultimos dois mil anos?" pergunta uma voz fraca, dificil de ouvir. Aqueles que tem algum bom senso ainda a conseguem ouvir em meio dos gritos de padres e sacerdotes que ecoam pelos milenios.

E ela continua: "O que aconteceu com a humanidade, que em outrora bebia e festejava e que agora é uma catedral do sofrimento? Chegou-se a negar esta vida em prol de uma vida que é meramente prometida pelos lapios nefasto de um padre. O que aconteceu?" 


Nietzsche nos mostra, no aforisma 49 do Anti-cristo, como o homem foi reduzido a vil condição de servo do padre: "É preciso tornar o homem infeliz, esta foi até agora a logica do padre. O pecado, a idéia de culpabilidade e de punição, toda a ordem moral foram inventadas contra a ciencia, contra a emancipação do homem nas mãos do padre. O homem não deve olhar para si mesmo, não deve ver as coisas com razão e prudencia para aprender, não deve ver absolutamente nada: deve sofrer e deve sofrer de modo a ter sempre necessidade do padre". 
A propria metafora da maçã da arvore proibida, (compreendendo a biblia como uma fabula repleta de metaforas) é uma metafora que revala o carater anti-cientifico da religião cristã. Nada ao homem é proibido alem da ciencia e o conhecimento. Do homem buscar a ciencia é que ele mereceu o sofrimento eterno na terra e ainda teve que provar para Deus que ele era "bom" e "obediente".

O aforisma 26 do mesmo livro se foca mais profundamente nesta questão do padre...Ali ele coloca algo que achei deveras intrigante que é uma coisa que só acontece quando temos uma unica visão de mundo e esta visão de mundo é a visão cristã de mundo. O cristianismo mediu os povos e as epocas de acordo que foram uteis ou que resistiram a corrupção sacerdotal. Os povos e as epocas foram, por muito tempo, julgados por essa máxima extremamente reducionista...Eis uma grande fatalidade que acometeu o mundo.

Outra coisa que ele coloca que é bem peculiar é a vontade de Deus como sendo a mesma coisa que a vontade do padre. Quero dizer, que a classe sacerdotal usou essa pretensa vontade divina como pretexto de seus interesses e de sua prosperidade durante os milênios. Era também, é claro, para saciar a vontade de Deus, que o padre se torna-se necessário em qual quer lugar e em qual quer canto. Desde de para oficializar casamentos e até para ser mediador de enterros e funerais. O padre estava no começo, no meio e no final da vida de cada individuo. O clero reinava e gozava de sua onipresença. Não interpretemos uma heresia como uma profanação a palavra de Deus, mas antes, um protesto contra tudo aquilo que deprecia a vida e a reduz a um mero "estágio" para outro lugar...

Como chegamos a conclusão que o homem é impio e tudo que é natural idem? Não foi por vias racionais, acredito. Não há motivos suficientes para negar as paixões e os desejos. Nietzsche demonstra, ao longo de suas obras, que o pecado, a falta, foram meios que o padre encontrou para atingir a potencia. É um erro pensar que a igreja lutou contra pecado...Na verdade, o padre sempre precisou do pecado.

E como era a humanidade antes dessa grande corrupção que conhecemos como cristianismo? Bom, Nietzsche diz que havia uma sociedade dionisiaca em que até a dor era sagrada:
"Fui o primeiro que pela compreensão desse antigo instinto grego, rico e até exuberante, tomei a sério aquele maravilhoso fenomeno que leva o nome de Dionisio. Apenas na psicologia do estado dioniasiaco se manifesta o fato fundamental do instinto helenico: sua vontade de viver. O que o heleno garantia a si mesmo com o estado dionisiaco? A vida eterna, o eterno retorno á vida, o porvir prometido e santificado no passado, a afirmação da vida sobre a morte, a vida exaltada pela procriação, mediante os mistérios da sexualidade. Por isso, o simbolo sexual era para os gregos o signo veneravel por excelencia, o verdadeiro sentido profundo de todo o orgulho antigo. As particularidades do ato da geração, da gravidez, do nascimento, despertavam neles pensamentos elevados e solenes. Na ciencia dos mistérios, a dor é santificada; o esforço do parto torna a dor sagrada; tudo o que é devir e crescimento, tudo o que garante o porvir requer dor. Para que exista a alegria eterna da criação, para que a vontade de viver se afirme eternamente por si mesma, é necessário também que existam as dores do parto. A palavra Dionisio significa tudo isso. Não conheço simbolismo mais elevado que esse simbolismo grego das festas dionisiacas" (Crepusculos dos Idolos, O que devo aos antigos, af.4).


O problema que coloco aqui é que só sobrou ao homem - aquele que foi domesticado pelo cristianismo - sofrer e nada mais do que isso, quer dizer, sofrer e obedecer milhares de restrições diferentes. E onde tudo isso começou? Como o cristianismo pode ter prosperado no mundo romano, um povo que era a continuação natural da cultura helenica? Nietzsche nos surpreende de novo dizendo que Roma continuaria a existir por mais mil anos se não fosse o cristianismo, e ainda diz que o cristianismo é basicamente a invenção e a idealização de dois homens, a saber São Paulo e Platão. Platão, criou o terreno aonde o cristianismo poderia agir e prosperar ao idealizar a dicotomia entre o mundo aparente e o mundo inteligivel. Não foi dificil para os cristãos "cristianizarem" a filosofia de platão, pois ela ja contia elementos muitos similares ao que o cristianismo pregava, desda da exaltação do ideal e de um mundo que não vemos e não podemos sentir. Em Platão, chegavamos a esse mundo supra-sensivel atraves do pensamento...Para o cristianismo, chegamos a um mundo supra-sensivel atraves de uma subordinação total e incondicional ao que a igreja chamou de "vontade de Deus", que como vimos anteriormente, era na verdade, a "vontade do padre".
Tanto em Platão quanto em São Paulo, a idéia é atingir um outro mundo com poucos eleitos. O mundo em que vivemos é uma ilusão, os sentidos nos iludem o tempo todo...Só há um unico mundo verdadeiro...O reino de Deus...Este reino que é estavel, absoluto, imutavel. Por essa idéia de negação deste mundo para um outro, que não é instavel com este, é que Nietzsche, com muita propriedade, diz que o cristianismo representou uma profanação a inocencia do devir; em suma, de tudo que muda e que se transforma.
Nietszche ousa, mais uma vez...Declara que o cristianismo foi praticamente uma invenção de São Paulo, que movido por um ódio e um ressentimento hiperbolico, concebeu esta nova religião. Esta religião que se levanta em prol dos pobres e oprimidos e quer subjugar a ordem estabelecida...Divergindo da tradicional visão aristocrática de Nietzsche, acredito que apoiar e exaltar os pobres foi outro meio que o padre encontrou para chegar ao poder, já que ele tinha o numero e apoio de uma horda de pessoas. Não é claro, que o padre tivesse algum apreço pelos camponeses e plebeus, mas por que precisava deles para se glorificar. (Se você quiser ver mais sobre essa visão "elitista" de nietzsche, veja neste post).

Para finalizar esse post e não me alongar muito, me limito a dizer que estas foram as minhas considerações acumuladas nestes dias de estudo e leitura dos textos de Nietzsche, aonde li e reli várias vezes os livros o Anti-cristo e o Crepusculo dos Idolos. Claro, não me limitei a ler só Nietszche, li também Kant, Descartes, e Sartre, mas ainda não é oportuno escrever e dissertar sobre eles aqui.