quarta-feira, 17 de julho de 2013

Cronicas do conhaque com gelo 3 - O espirito Materialista

Demorou pelo menos 3 dias para descobrir que tinha morrido. Mais uma daquelas malditas festas...Todos nela tiveram diferentes complicações, que iam desde de coma alcoólico até ressacas cruéis, mas eu tinha sido o felizardo que morreu de infarto numa banheira com duas vadias. Em meu funeral, disseram que agora que a fortuna tinha me acometido eu poderia descansar em paz e estaria num lugar melhor agora, todavia eu continuava no mundo dos homens, perdido com eles, se confundido com eles, mas não podendo, num entanto, interagir com eles, não que, em vida, eu interagisse com o mundo e os seres que nele habitam com grande entusiasmo.


Quando vaguei, sem ter pelo menos o direito de morrer de novo ou de me entreter com a minha própria velhice e as enfermidades que andam de lado a lado com ela, continuei com as mesmas incertezas que tinha desde dos 13 anos. Poderia até afirmar, agora que estou morto, que existe vida após a morte, mas que vida é essa? Para que a imortalidade? Todos estão condenados a este limbo, ou só os descrentes? Por 300 anos, vaguei sozinho com meus próprios pensamentos, ora atormentando meus inimigos e ex-mulheres, ora se tornando lenda popular em casas antigas e abandonadas. Mas, depois de um tempo, tudo que eu queria mesmo era morrer. Amigos meus que diziam professar alguma fé em um mundo supra-terreno, me alertavam do fato que eu iria descobrir Deus quando fosse muito tarde, quando viesse a morrer. Agora que estou morto, ele ecoa no vazio apenas como uma mera possibilidade. Em momentos de fraqueza, rogava por ele e sua presença, assim como um louco grita pelo seu amado abismo, só que o louco pelo menos tem o seu próprio eco para conforta-lo, e eu não tinha nem isso...



Aquilo era mesmo o purgatório reservado aos niilistas e descrentes como eu? Estranho foi ter encontrado padres, pastores e crentes fiéis vagando por ele. Se a fé os tornava superiores a mim, por que estávamos no mesmo barco? Eles me davam desculpas cômicas, preposições ad hoc que me inspiravam o profundo riso...Um crente me disse certa vez: "Deus está nos dando mais uma chance! Agora que estamos livres dos desejos da carne, nada mais nos separa de Deus. Mas, se formos levianos com Deus, com a oportunidade única que ele nos deu, ele nos mandará para o inferno". De fato, eu não tinha mais fome, não envelhecia mais, não estava sujeito aos instintos ou ao tempo, mas isso não me fazia um beato, não me transformava em sábio. Me encontrei com esse mesmo crente várias vezes, e ele sempre se mostrou confiante de seu lugar no Reino de Deus, e que eu poderia me reunir com ele nesse mundo prometido. Perguntei a ele o que o fazia acreditar que Deus tivesse colocado ele no purgatório, já que ele alegava que havia sido um bom cristão. Ele me respondeu que antes de haver se convertido há Igreja Luterana, ele era um homem devasso e vil, e que talvez, o limbo servisse para que ele tivesse um após vida totalmente isento de pecado, e como já estava morto, não iria mais deixar levar pelas maneiras vis dos vivos. Mas logo aquele crente me aborreceu com promessas vazias de um mundo prometido, e eu tinha coisas muito melhores a fazer do que ouvi-lo. Tinha toda e qual quer realidade alternativa para conhecer, toda e qual quer dimensão e universo para vislumbrar, e todo e qual quer livro para ler. Não tornaria a minha eternidade um fardo, mas sim, uma experiência.




Se passaram uns quinhentos anos. Vaguei pelo universo, me divertindo com as galáxias que eu criava, dos planetas e mundos que governava. Me transformei num Deus, mas descobri que havia outros Deuses que governavam mundos que lhe eram próprios. Algumas vezes nos reuníamos para criar um universo ou outro, ou para criar outro Deus que ficasse livre para criar o que bem entende-se.

Chegou um momento, em que o tempo já não existia mais, em que me pus a adormecer num sono profundo. Não fui acometido por nenhum sonho, nem pelo mais singelo pensamento. Me desintegrei aos poucos e me converti ao vácuo, ao vazio. Já não era mais espírito, era só vazio, brisa sem vento...Tinha finalmente conseguido o que queria: morrer.

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